Tuesday, January 22, 2008

ESPINHOS DA MARGARIDA

Olá amiguinhos. Hoje estou aqui para contar para vocês a história da origem do meu nome. Tenho um nome muito engraçado que eu adoro muito, mas nem sempre foi assim, pois meu nome me causou diversos traumas. Quando eu era criança, por causa de meu nome, muitas vezes fui motivo de chacota entre os colegas na escola, tudo porque meu nome e meu sobrenome consistem de uma listagem de plantas ornamentais: Margarida Perpétua Gardênia Rosa, sendo que as duas últimas flores são as únicas heranças que serão deixadas por meus pais. Desse modo, receberei como herança os sobrenomes Gardênia, de minha mãe, Maria da Conceição Gardênia, e Rosa, por parte de meu pai, Francisco Aparecido da Silva Rosa.
Também tenho quatro irmãos, duas meninas e dois meninos graciosos, todos com nomes bastante intrigantes, mas nenhum tão sugestivo quanto o meu. Ao que parece, a criatividade de meus pais acabou logo no segundo filho. Os dois meninos chamam-se Francisco, em homenagem ao meu pai, e as duas meninas chamam-se Maria, em homenagem à mãe, só diferem no segundo nome. E eu sou a Margarida... única flor do vasto jardim das Gardênias Rosas.
Quem imagina um jardim com cinco flores belas não pode deixar de observar os muitos espinhos que desfolham o passado de um pobre infante. E os espinhos não se contam nos cinco dedos das dez pequenas mãos sedentas de sustento e afeto, que meus pais nunca tinham a oferecer.
As poucas memórias que ainda tenho dessa fase não se apagam, mas teimo em esquecer, pois são lembranças subumanas. Sempre que me recordo de meu pai, o vejo bêbado, para esquecer a miséria e os problemas da vida. Quando recordo de minha mãe, vejo-a dormindo num quartinho embolorado, para ver se quando acordasse a vida passaria mais depressa do que quando fora se deitar.
Eu morava com meus pais em uma chácara arrendada e, por tal piedade de Deus, nunca me faltou o que comer. E nunca me faltou trabalho braçal em meio ao sol quente também. Tínhamos duas vacas leiteiras, seis cabeças de porco, um galo velho e poucas galinhas no terreiro. Quando o patrão não aparecia no final de semana para arrebatar toda a produção de leite, ovos e vegetais, a mesa era farta e minha pequena pança conseguia degustar o alimento suficiente para sorrir de contentamento o resto da semana, em que tinha que engolir a sopa de fubá preparada com banha de capivara. Mas ninguém é feliz para sempre morando em uma chácara arrendada, ao lado de um brejo fedorento e cheio de capivaras gordas. Eu queria era mais, muito mais! Na verdade, eu tinha um sonho de infância e meu grande sonho era conhecer a cidade, tomar leite tipo C de saquinho e comer salsicha até ficar com as bochechas vermelhinhas, da cor da salsicha...
Lembro que um dia o patrão, avisando com antecedência para não perder a viagem, só apareceu para buscar sua quota de alimentos frescos na segunda-feira. Nesse dia fui muito mais feliz do que nos outros finais de semana em que ele não viera. Acontece que, após um feriado especial de guloseimas comemorativas em sua casa, ele trouxe sobras de alimento para os porcos e eu quem fui incumbida de jogar no cocho o balde cheio de restos. Ao meio dia de uma segunda-feira, tudo aquilo aos meus olhos parecia ter um sabor especial, com um cheiro maravilhoso de vinagre azedo, tal qual um prato que eu jamais saboreara. E, no meio do balde transbordante, grandes pedaços vermelhinhos de salsicha, uns fiapos gostosos de macarrão e um queijo esverdeado saltitavam aos meus olhos miudinhos de fome pela hora avançada.
Jogado ao chão de uma moita de bananeira, o balde fora fuçado por cinco criaturas famintas, mas não os porcos, que naquele dia passaram fome...
Atualmente, minha vida mudou muito desde minha infância, mas a do restante de minha família nem tanto. As minhas duas irmãs casaram-se, tiveram três filhos cada e só. Dormem o dia inteiro para esperar a vida passar mais depressa do que na novela. Meus irmãos continuam morando na chácara arrendada, juntamente com meus pais. Um deles assumiu o posto no trato dos porcos pois meu pai aposentou-se logo que perdeu o fígado carcomido pelo vício. Minha mãe resolveu acordar, um pouco tarde, é certo, e está fazendo supletivo da oitava série para prestar concurso público para gari da prefeitura. E eu estudei muito. Sou a doutora Margarida Perpétua Gardênia Rosa, advogada, casada, um filho para cuidar.
(Escrito por Solange Lima em 2006)

No comments: