Em uma de minhas viagens a Rio Preto dormi, acordei, dormi novamente e, quando acordei havia duas senhoras conversando no banco a minha frente. Normalmente, não presto atenção à conversa de distintas damas, mas as crenças populares e as receitas caseiras me fascinam. Elas estavam conversando sobre a maneira de curar umbigo de recém-nascidos. Embora eu não tenha ainda filhos e nem esteja planejando um para logo, achei muito engraçado o modo como elas cuidam de bebês. Uma disparou:
- Eu ponho sarru di fumu na tripinha por cinco dias, depois amarro o imbigu num cordão de seti metros e interru o imbigu num pé de bananeira. É pra dá sorte pro imbiguinho ficá bonitinho.
E a outra imendou a conversa:
- A minha patroa me trouxe o mulequinho e disse que não queria que eu colocasse nada do mato não. Era pra passá só arco boricato no imbigo dele que o médico mandou. Daí eu achei estranho que já fazia cinco dia que estava passano arco e ainda tava roxo e inchado o imbigo. Daí eu comprei azeite de mamona e esquentei numa cuié até ficá mornim. Daí eu passei no imbigo do bichin e dois dias depois caiu. Aí o muleque cresceu deste tamanhão ó e o imbigo fico bunitin e a muié falo pra mim como eu fiz para o imbigo ficá tão bunitin. Aí eu contei pra ela que eu tinha curado com azeite e ela achô ingraçadu. Mas não pode ser azeite de Olívia não, viu, que dá mau-chero. Tem que ser azeite di mamona...
A conversa disparou por mais meia hora e acho que, com a fome que eu estava, fiquei imaginando o sabor de azeite de oliva em uma bela salada. Com o balanço do ônibus, cochilei novamente. Quando acordei, elas estavam falando sobre cabelos. E a julgar pelo volume dos cabelos delas, eu podia jurar que elas enfiavam o dedo na tomada para fazer um tratamento de choque elétrico, mas não era.
- Ponha a mão aqui ó. Vê comé que tá macio – disse uma delas, arremessando a cabeça rumo à mão da outra.
De meu banco, atrás delas, eu podia ver que estava macio como uma mola. Se eu jogasse uma bolinha de gude bem ali no meio do cabelo de uma delas, sairia voando janela afora e continuaria voando com o impulso até atingir uma ave nas alturas do céu azul ou mesmo derrubar uma aeronave... mas fingi que estava cochilando e continuei com os ouvidos atentos...
- Nossa, cumadi, queco se feiz pro seu cabelo ficá bão? –Disse
a outra senhora, como se cabelo fosse classificado em bom e ruim. Se fosse nos Estados Unidos, ainda vá lá. Dizem até: "I am in my bad hair day" para dizer que não acordou em um dos melhores dias, mas vamos à conversa das distintas damas:
- Me ensinaro uma receita cum banha di porco que é bão mesmo.
Eu fiquei imaginando o cheiro e o resultado final em meus cachos. Eu já fui cobaia de mim mesma muitas vezes com essas receitas caseiras. Me mandaram passar gema de ovo e ficar meia hora no sol para dar brilho no cabelo e o máximo que eu consegui foi vomitar o resto do dia com o cheiro que impregnou em meu corpo todo. Depois, disseram que abacate é muito bom para alisar os cachos e, não fosse pelos pedaços verdes que ficaram pendurados por uma semana, por mais que eu lavasse o cabelo mais de uma vez por dia para tirá-los dali, eu teria acreditado. Diante dessa lembrança, me esforcei para não ouvir a conversa, mas foi inevitável...
- Você pega três cuié de banha bem cheia, depois que você frita o toicinho e sobe aquela gordurinha branca quando esfria, não é a banha crua não... aí você pega todo quantoé creme que você tem em casa e mistura tudo. Eu fui nos meu vizim bateno de porta em porta, peguei deiz tipo de creme e coloquei tudo junto... aí você põe três cuié de porvilho e mistura meia xícara de leite, depois...
Depois eu fiquei curiosa para saber o resultado final porque o ônibus parou na rodoviária de Votuporanga e elas desceram. Mas eu fiquei no ônibus por mais uma hora. Por instantes, fiquei imaginando a receita. Era até interessante. Quem sabe um dia eu faria: leite, polvilho, três colheres de banha de porco, mistura tudo muito bem. Puxa, com isso você deve obter uma massa branca e lisa que não gruda nas mãos. Em último caso, se não der coragem de passar nos cabelos, basta acrescentar uns ovos, e pôr no forno para assar. Sem querer, eu havia descoberto a receita de bolinho de polvilho! E me deu uma vontade enorme de descer do ônibus e comprar um pacotinho, mas o ônibus já se punha em movimento.
Solange Lima
Crônicas do ônibus - Uma receita Caseira
10/04/2008 @
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