Saturday, February 26, 2011

Novo filme nacional de sucesso: Bruna Surfistinha e o conto de fadas moderno

A Lei Rouanet de incentivo à cultura, aprovada em 1991, prevê doação de até 80% do valor do projeto (custo de produção de um filme, por exemplo). O dinheiro sai dos cofres públicos ou das empresas privadas, as quais ganham benefícios fiscais. Apesar de existir dedução fiscal do imposto devido para tais empresas que financiam projetos culturais, dados do site do Ministério da Cultura comprovam que a cada R$ 10 reais investidos pela Lei Rouanet, apenas R$ 1 vem da iniciativa privada, o resto vem... dos nossos impostos!


Em 2010, a Lei Rouanet foi usada para a produção de mais um filme nacional e divulgação de nossa cultura. Ótimo se não fosse cômico. Ainda não assisti ao filme, nem pretendo, mas li o livro e, sinceramente, aaaaaaiiiiiiiii meus impostos! A Lei é importante, mas precisa ser repensada. Ou é o meu conceito de cultura que precisa ser reformulado.

Não sei direito como funciona a lei, se depois há devolução aos cofres públicos de um montante do valor arrecadado, o que acho que deveria, mas isso agora não vem ao caso. O que importa é que o novo filme, dirigido por Marcus Baldini e protagonizado por Debora Secco é nada menos do que... Bruna Surfistinha, a vida da escritora famosa pelo best seller “Doce veneno do escorpião”.

Em 2009 a Lei Rouanet já havia destinado 2 milhões de reais pra a produção da peça teatral Doce Veneno, inspirada no livro homônimo da ex-garota de programa Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha e dirigido por Rubens Ewald Filho. Dessa vez não tenho nem ideia de quanto foi o montante destinado para a produção do filme, mas...

Que cultura esperar de um filme que conta a história de uma garota de classe média alta, adotada por uma família rica, que renuncia à vida boa que levava, aos melhores colégios, às roupas de marca, para se enfiar em um prostíbulo de 5ª categoria porque “gostava de dar” e se entregar à drogadição? No final, casa-se com um de seus clientes ricos, ex-pai de família respeitado pela sociedade, que larga tudo por ela. Depois Bruna escreve um livro que vira best-seller e é feliz para sempre com seu príncipe encantando.
Doce moral da história de um conto de fadas moderno, a ser narrado pelos pais de nossos adolescentes e debatido em sala de aula pelos nossos professores.

Repercussão do filme no exterior, certamente haverá, reafirmando o estereótipo de país do turismo sexual. Quem viu o filme, me fale se eu estiver errada.

Imagem: Felix Lima/Folhapress, retirado do site uol

O antes e depois de Debora Seco

Para incentivar as pessoas a assistirem ao filme (não apenas este, mas para não perder a linha de raciocinio), o governo vai implementar ainda este ano o Vale Cultura. Tal benefício foi aprovado pelo Senado Federal desde 16 de dezembro de 2009, mas ainda não entrou em vigor. Quando entrar, beneficiará 12 milhões de trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos federais que recebem até cinco salários mínimos. Em contrapartida, o governo oferecerá às empresas que aderirem ao fornecimento do benefício a seus empregados dedução de até 1% do imposto devido. Ou seja, o dinheiro sairá dos cofres públicos de qualquer modo... ai meus impostos novamente.

O Vale Cultura foi pensado porque, segundo dados do IBGE levados em consideração pelos políticos que criaram o projeto de lei, apenas 14% da população brasileira vai ao cinema regularmente, 96% não frequenta museus, 93% nunca foi a uma exposição de arte e 78% nunca assistiu a um espetáculo de dança. Ok. Então temos que investir na cultura desse povo. Simples: criar O Vale!

Apesar da solução paliativa de injetar no orçamento familiar um valor fenomenal de R$ 50 por mês, que supostamente seria para a aquisição de ingressos de cinema, teatro, museu, espetáculos, livros, CDs e DVDs, entre outros produtos culturais, tal situação não vai mudar sem uma reflexão mais ampla. Primeiro porque livros de qualidade custam mais do que os R$ 50 de vale e as bibliotecas de algumas escolas estão cheias e abandonadas às traças. Incentivo à leitura faria uma boa diferença antes de fomentar a compra de livros para servirem de meros adornos. Segundo, porque alguns cinemas, museus, teatros já possuem programas de gratuidade ou, pelo menos, preços bem reduzidos para alunos de escola pública. É só um professor organizar e entrar em contato (Já levei meus alunos ao cinema deste modo!). Além disso, se o intuito for o lazer da família, com o ingresso do cinema custando a bagatela de R$ 15, em uma casa com 5 filhos por exemplo, vai ter que ter rodízio todos os meses... Sem contar que o trabalhador vai usufruir do benefício para pagar outras contas mais relevantes. Eu mesma, nos velhos tempos de minha adolescência, vendia meu vale refeição e levava a boa e velha marmita para o trabalho. E a opção à marmita, nesse caso, é o plim plim. Mais cômodo, mais barato e com sabor de feito em casa.

(C)2011, Solange Lima

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